segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Company Towns na Amazônia


Mapa das company towns na Amazônia
Company Towns; Em português significa cidade da empresa, é uma vila ou cidade onde quase tudo, casas, escolas, hospital, supermercado, cinema, posto de gasolina e estabelecimentos comerciais, pertencem a uma única empresa. Na maioria das vezes essas company towns (Cidades da empresa) são caracterizadas pelo monopólio, pelo paternalismo, pelo isolamento e pela excelente qualidade de vida. E no caso das company towns na Amazônia estas cidades giram em torno de algum MegaProjeto.


Estas cidades são caracterizadas pelo monopólio uma vez que quase todos os serviços e estabelecimentos comerciais (em alguns casos até a igreja) pertencem à empresa que controla a cidade, que no geral gira em torno de alguma grande indústria, onde trabalham praticamente todos os trabalhadores da company town. Estas cidades são caracterizadas pelo paternalismo, por que como todos os serviços básicos como saúde, educação, habitação, clubes entre outros são pagos ou subsidiados pela empresa. A empresa é tida como o “grande pai” gerando uma espécie de “estado paralelo” e um “patriotismo empresarial”, tornando os trabalhadores não somente dependentes, mas também leais a empresa, que estabelece nestas cidades as suas próprias leis.

Estas cidades são caracterizadas pelo isolamento, por que este faz parte da lógica da company town, que baseia-se no monopólio e no paternalismo. No caso das company towns na Amazônia o isolamento não é apenas geográfico, existe também um “isolamento social” muitas das vezes não é qualquer um que pode morar na cidade da empresa, ou seja, somente funcionários, e em parte, estes funcionários são mão de obra especializada e vindos de outras regiões, fazendo que se crie “cidades paralelas” no entorno das company towns, fora dos limites do projeto, como é o caso de Laranjal do Jari-AP e Parauapebas-PA. E estas cidades da empresa são caracterizadas pela excelente qualidade de vida de seus habitantes-empregados. Serra do Navio (cidade construída no Amapá pela ICOMI para exploração do manganês), por exemplo, tinha um padrão de vida estadunidense no meio da floresta amazônica, o hospital de Serra do Navio realizava operações de coração nos anos 70 que até hoje não são realizadas na capital, Macapá. E algumas das últimas company towns na Amazônia como Porto Trombetas e Núcleo Carajás ainda mantém seus moradores com um padrão de vida muito superior ao resto da região.


Pullman Company Town
A história das company towns começa nos Estados Unidos em 1880 com a construção da cidade de Pullman em Illinois que foi projetada para abrigar 6.000  pessoas, e era comanda pela Companhia Pullman Palace Car, no auge das company towns nos Estados Unidos haviam mais de 2.500 cidades da empresa e mais de 3% dos estadunidenses  moravam em uma company town. Mas na Amazônia, pode ser considerada como a primeira company town, a atual capital de Rondônia, Porto Velho que nasceu como uma vila, em 1907, para abrigar os funcionários da estrada de ferro Madeira-Mamoré (As estradas de ferro são uma características em comum das company towns amazônicas), Porto velho, foi construída pela Madeira-Mamoré Railway Company, uma empresa estadunidense responsável pelo consócio que construiu a ferrovia (Outra característica em comum das company towns da Amazônia, é a participação estrangeira). Abaixo algumas das principais company towns na Amazônia:


Fordlândia - PA
FORDLÂNDIA
Foi um mega projeto agroindustrial do famoso milionário Henry Ford em 1927, que pretendia fugir do monopólio do látex (Borracha) dos britânicos no sudeste asiático, Ford entrou em negociação com o governo do Pará, que mediante negociações até hoje não muito bem explicadas, concedeu a Companhia Ford Industrial do Brasil uma área de 14.568 km2 as margens do Rio Tapajós, e Henry Ford ainda ganhou direito de importar e exportar máquinas, equipamentos e tudo mais que lhe fosse preciso sem pagar taxas ao governo paraense. Apesar das grandes espectativas de Ford (Que nunca pisou na Amazônia por que tinha medo de jacaré e malária), o projeto foi um fracasso, dentre os vários motivos estão; A terra era infertil e pedregosa, não havia nenhum agrónomo especializado em agricultura equatorial, as seringueiras foram plantadas muito proximas de modo que ficaram indefesas a ataques de pragas e por fim os funcionários na sua maioria amazônicos brasileiros foram forçados a se adequar ao estilo de vida estadunidense, sendo obrigados a comer hamburguers, usar crachás e cumprir uma rotina de trabalho que não estava acostumados. Resultado, foram inúmeros conflitos com os trabalhadores, baixa produtividade e mortes. Após a morte de Henry Ford em 1947 seu sucessor encerrou as atividades do desastroso Projeto Fordlandia.


Serra do Navio - AP 
(Década de 1950)
SERRA DO NAVIO
Foi um mega projeto da mineradora ICOMI (Indústria Comércio e Mineração), para alguns historiadores o Território Federal do Amapá foi criado por conta deste projeto, uma vez que o governo federal sabendo da existência de manganês na região, a desmembrou do estado do Pará para que a união obtivesse total controle nas negociações. O projeto audacioso incluía a construção de duas Company Towns (Serra do Navio e Vila Amazonas em Santana), um porto e uma ferrovia, todos esses equipamentos foram construídos com êxito e a mineradora operou com um contrato de 50 anos a partir de 1953, no auge do projeto nos anos 70 e 80 o Amapá tornou-se o maior exportador de manganês do planeta e Serra do Navio era a localidade com a melhor qualidade de vida do país, uma cidade estadunidense em plena Amazônia. Nos anos 90 a empresa encerrou suas atividades antes do prazo e entregou todas as suas propriedades sucateadas ao governo do Amapá, como estava no contrato, que herdou também inúmeros problemas ambientais e sociais. E hoje Serra do Navio é um enorme museu a céu aberto.

Porto Trombetas - PA


PORTO TROMBETAS 
É um mega projeto da Mineradora MRN (Mineradora Rio do Norte) localizado no município paraense de Oriximiná. A implantação do projeto iniciou em 1971 e tinha como propósito a extração de bauxita e o seu benecifiamento, lavagem, secagem e embalagem para exportação, o projeto também inclui além das minas de Sacará, Almeidas e Aviso, uma ferrovia, um porto e a company town de Porto Trombetas que mantém até os dias de hoje com um elevado padrão de vida, e é dotada de usina de geração de energia, tratamento de água e esgoto, escola, hospital, clube, cine teatro, casa da memória, centro comercial, aeroporto, e sistema de comunicação nacional e internacional. O verdadeiro “sonho americano”, e o lado positivo deste projeto é que ele não formou bolsões de pobreza no seu ao redor e de todas as company towns na Amazônia Porto Trombetas é o projeto mais bem sucedido até hoje, talvez uma das razões seja que o projeto levou em conta os efeitos da floresta.


Monte Dourado - PA
MONTE DOURADO 
Foi talvez o projeto mais desastroso de todos, em nenhum ângulo que se olhe, seja econômico, social ou ambiental poderemos dizer que foi um projeto bem sucedido. Foi o sonho do bilionário Daniel Keith Ludwig que sonhou em construir na Amazônia a maior fábrica de celulose do mundo. O projeto inicialmente incluía: Portos, Rodovias, Ferrovia, Aeroporto, Termelétrica, uma Company Town além de audacioso projeto agropecuário. Um dos motivos para o fracasso colossal do projeto foi novamente a força da floresta amazônica. Foram devastados milhares de Km² de floresta para plantação de gmelina árvore matéria prima para produção da celulose, que foi atacada por pragas, o projeto atraiu milhares de pessoas que não conseguiram ser absorvidas pelo empreendimento e acabaram se alocando na outra margem do Rio Jari, o projeto sofreu inúmeros revés e chegou até ser aberta uma CPI no congresso nacional para investigar o projeto e seu dono Ludwig, que desistiu da empreitada e vendeu o projeto. Mas ainda assim, até os dias de hoje a company town Monte Dourado ainda é uma das localidades com melhor qualidade de vida, em contraste com o lado amapaense de Laranjal do Jari que é o segundo município com o maior percentual de moradias subumanas.

Núcleo Carajás - PA

NÚCLEO CARAJÁS 
Como no nome já diz, Núcleo Carajás está no centro do gigantesco projeto Carajás, a maior mina de ferro do mundo, é tanto ferro que mesmo que fosse explorada de maneira intensiva, ainda assim seriam necessários 800 anos para esgotar as minas. E a população de 6.000 habitantes da cidade da companhia conta com um padrão elevadíssimo de vida, talvez o melhor do Brasil. A company town está a 15 Km das minas e cerca de 200 Km de Marabá (Principal cidade da região). A cidade possui escolas, hotel, clube, comércio, aeroporto, além de um excelente hospital. E está localizada no município paraense de Parauapebas que surgiu por conta do Projeto Carajás. No entanto os habitantes de Núcleo Carajás vivem em uma ilha em meio a uma região caótica, devastada pelo agronegócio, conflitos agrários, e inúmeros outros problemas ambientais e sociais. E até os dias de hoje a região que ficou famosa pela mina de Serra Pelada ainda atraí milhares de pessoas e grandes investimentos.


Núcleo Carajás - PA
 (excelência em qualidade de vida)
Laranjal do Jarí - AP 
(Contraste em relação a Monte Dourado)


9 comentários:

  1. Muito interessante esta abordagem, sem dúvida, todos estes projetos representam um marco para o desenvolvimento da região. tive a oportunidade de conhecer pessoalmente todos eles e, na minha concepção fica evidente as enormes desigualdades sociais encontradas, seja pelo desinteresse da empresa em investir de fato na região e/ou pela total ausencia de politicas publicas para a região amazônica. que apesar de estarmos em 2012 continua esquecida e desconhecida por grande parte dos brasileiros. tenho muito orgulho de ser amazônida !!!.

    Antonio Nascimento

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  2. Parabéns, pela ótima postagem!
    As company towns são exemplo concretos do capital estrangeiro em nossa região, do contraste sócioeconomico no meio da floresta, da falta de projeto-politico para nossa região que visem crescimento econômico (a partir do desenvolvimento sutentável), qualidade de vida (de todos/as habitantes da região)e potencializar a cultura dos grupos que a compõem.
    Mais uma vez, parabéns!!!

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  3. Morei 10 anos na Serra do Navio, e nunca mais voltei. Entretanto, acompanho pelo facebook o entusiasmo dos moradores atuais, jovens, pela Serra - Paisagens da serra do Navio Pontos Turísticos.
    Sobre o empreendimento, posso dar o meu testemunho pessoal: muito antes de existir o conceito de Qualidade Total, o Antunes aplicava QT em todas as suas facetas. Incluindo suporte para a população ribeirinha, que era atendida no hospital da Serra, talvez o de melhor qualidade do Norte do País nas décadas de 50/60/70. A estrada de ferro Serra do Navio - porto de Santana também atendia a população local, incentivando a colonização do interior do Amapá. A administração era totalmente composta por brasileiros. Os sócios minoritários americanos não interferiam. Sabendo que a reserva de minério de manganês era finita, a Icomi estudou muitos empreendimentos que pudessem minimizar o impacto do encerramento das atividades na Serra do Navio. Cito: Brumasa (implantada), Amcel (parcialmente implantada), Ferrocromo (implantado), além de outros que não chegaram a se concretizar - camarão, catfish, cacau, café, palmito de açaí. E, pelo que vejo no facebook que citei acima, a Serra do Navio não me parece um museu a céu aberto. Hoje é uma cidade sede do Município, .se beneficiando da operação de minério de ferro local, cuja produção escoa pela mesma estrada de ferro. Sobre outras city towns na Amazônia, Carajás é da Vale, uma empresa brasileira originalmente estatal; Trombetas tem vários sócios brasileiros e estrangeiros, mas o comando é brasileiro, e não foi "imaginada" por estrangeiros; o núcleo de Tucurui foi uma vila de companhia, brasileira, durante a construção da hidrelétrica e, se hoje não tem o brilho de outrora, permanece como núcleo urbano ativo; Pitinga, no Amazonas (onde também trabalhei, desde a implantação), foi originalmente 100% brasileira e comandada pelo Lacombe (hoje pertence a uma mineradora peruana); Monte Dourado é Municipio e city town fundada por um americano (Ludwig) que quase faliu graças às sucessivas diretorias compostas por brasileiros incompetentes ou corruptos, ou as duas coisas ao mesmo tempo - mais tarde, na fase final da ditadura militar, o Governo obrigou o Antunes (CEO da Caemi/Icomi) a assumir o projeto Jari em associação com outros grupos brasileiros, associação que não deu certo; a vila de Munguba foi montada pela Cadam, junto da usina de beneficiamento de caulim e do porto, e continua viva (a reserva de caulim dá para mais uns cem anos de operação). Não se esquecendo que Monte Dourado, na margem esquerda do Rio Jari, possibilitou a colonização desorganizada da margem esquerda do Rio, no Amapá, gerando o favelão chamado Beiradão, mais tarde Laranjal do Jari, cidade e sede de Município. A rigor a única city town 100% estrangeira desde sua fundação, foi Fordlândia, um empreendimento do velho Ford para produzir borracha e que se tornou o seu maior fracasso. Mesmo assim, hoje é um núcleo urbano - não foi inteiramente abandonada pelos brasileiros. Portanto, não concordo com a visão reducionista de essas cidades são produto do capitalismo predatório de estrangeiros. Algumas mais, outras menos, mas todas cumpriram um papel de geração de riquezas que ficaram no Brasil, além da manutenção de núcleos urbanos que dão suporte à população que colonizam difusamente as regiões ao seu redor.
    Rotenio Chaves.

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  4. Último comentário: Barcarena, no Pará e vizinha de Belém, é ou foi na sua origem uma cidade de industrias do ciclo do Alumínio (refinaria de alumina e a metalurgia, respectivamente Alunorte e Albrás), com os melhores portos desse trecho final do Rio Amazonas, incluindo o porto de Belém. Na verdade, Barcarena se tornou um polo de desenvolvimento com industrias do ciclo do Al, produtores de caulim para a indústria de celulose/papel (duas, uma originalmente pertencente à Vale e outro do grupo Imerys), siderúrgica, um comércio local intenso. A Alunorte é a maior produtora da alumina do mundo. O porto de Belém perdeu importância para os portos ao redor de Barcarena, vários cativos das indústrias locais mais um porto público montado para substituir o da Capital. Enfim, pode ter sido um empreendimento megalomaníaco na sua origem no final do ciclo de governos militares, mas que deu certo depois que o ciclo da ditadura se esgotou e o País foi redemocratizado. Portanto, não vejo razão para pintar as city towns em cores negativas, como exemplos da exploração das nossas riquezas sem nenhum retorno. É uma distorção da realidade, que fica entre o "8 e o oitenta", numa posição intermediária mas altamente defensável. Afinal a mineração é um dos motores do processo civilizatório, e não por acaso os historiadores dividem nossa História em "Idade da Pedra Lascada", "Idade da Pedra Polida", "Idade do Bronze", "Idade de Ferro" e, finalmente, estamos provavelmente no inicio do que no futuro dirão "Idade do Silício". Ou seja, a mineração/metalurgia definindo marcos da caminhada do Homem sobre a Terra.
    Rotenio Chaves

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  5. Concordo inteiramente com a defesa das company towns feitas pelo Rotênio Chaves, com quem tive o prazer de trabalhar e conviver em Serra do Navio, nos anos 70s. Acho até que o Rotênio , se quisesse, poderia ir além em sua exposição relatando, por exemplo, sobre o desenvolvimento tecnológico e o treinamento de um cem número de técnicos, de todas as disciplinas, que, até os dias atuais, atuam no território brasileiro valendo-se, em muitos caso, do que aprenderam enquanto estiveram ligados ás empresas aqui listadas.
    Luiz Barroso Magno Jr - Geólogo

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  6. Parabéns por este trabalho. Gostei muito. Ele é muito esclarecedor. Me ajudou bastante na compreensão das company tows, e se fosse me ater apenas ao texto da apostila que possuo, nunca iria entender, de fato, sobre essa temática.
    Muito obrigado.

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  8. Gostei muito deste texto sobre as Company Towns brasileiras. Eu morei em duas cidades citadas neste texto ( Monte Dourado (1a vez:de 1979 à 1982- e em Porto Trombetas: de dezembro de 1982 até dezembro de 1984- depood retornando para Monte Dourado em Dezembro de 1986 permanecendo até Agosto de 1997),desde quando eu tinha 3 anos até aos 19 anos de idade, junto com meus 3 irmãos ,meu pai e minha mãe.
    Todos essas cidades projetadas deram certo, nas implementações de seus criadores e na convivência de seus moradores, funcionários e familfas. No que se refere ao declinio das cidades citadas como Monte Dourado e Serra do Navio, o principal fator foi a má fé e inveja política da concorrência empresarial, política e social de muitos que não acreditaram que havia qualidade de vida e formação excelente de carreiras para cada empregado, funcionário, jovens, famílias inteiras que foram contempladas com a possibilidade e realizacao de seus objetivos, sem que houvesse influências negativas ou incertas às suas vidas.
    As cidades deram certo, sim. Mas o que nos poderíamos fazer quando esses excekexces modelos de progresso e vida incomodaram e atraíram a cobiça de políticos e empresários que não se importam até hoje com o progresso do nosso país? Acredito que boa parte dos que vivem nestas cidades sao felizes e alheios ao pessimismo partidario e ideológico do qual todo o Brasil padece. Parabéns pela sua referência às cidades e suas empresas-mães. Parabéns ao Rotênio Chaves por seus esclarecimentos muito importantes, também.

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